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2 de jan. de 2012

Uma lágrima por Platão


Às vezes eu me pergunto se Platão tinha ideia do tamanho da própria genialidade. Provavelmente não, mas isso não importa. Ruim mesmo é a quantidade de pessoas que acabaram por distorcer aquela que pode ter sido sua ideia mais célebre justamente por julgar serem seus profundos conhecedores. Platão jamais teria a dimensão de o quanto isso foi e ainda é ruim para o desenvolvimento do pensamento filosófico como um todo. Melhor para ele, que sem dúvida ficaria muito desapontado com o que vem ocorrendo. Por isso ofereço a ele uma lágrima, a lágrima que ele nunca derramará.


A ideia deturpada em questão é a Metáfora da Caverna


 Há luz no fim do túnel? Talvez sim, talvez não... pergunte ao gato do Schrödinger. 
O mito trata da ilusão, da falsa ralidade a que o ser humano está conectado e na dificuldade de sair dela... fácil de escrever, difícil de entender...


Da história original, percebemos o seguinte:
Há um grupo de pessoas dentro de uma caverna, de costas para sua entrada. Esse grupo sempre esteve lá dentro, de maneira que as sombras que são projetadas na parede da caverna são tudo que eles sabem sobre tudo. O mundo deles é a caverna e é isso aí. Não existe nada além disso.

Eis que uma ou mais dessas pessoas acabam por se virar e olhar para o lado de fora, entrando em contato com uma realidade totalmente nova e que a anterior não tinha nada de real. Os que saíram tentam avisar aos que ficaram dentro da caverna olhando as sombras, para que também percebam o engano em se prender a um mundo falso. Os que ficaram não acreditam neles, se recusam a buscar algo novo e preferem permanecer na mesma situação. para sair da caverna é necessário entrar em contato com a "outra realidade", o que não acontece de uma hora para outra. Muitas vezes é necessário um impulso muito maior que apenas um testemunho, que não é muito fidedigno quando se trata de debater o que é e o que não é real.

É mais ou menos o que Nietzsche quis dizer com a frase "Os que dançavam foram chamados de loucos por aqueles que não conseguiam ouvir a música."


Platão talvez tenha imaginado o problema que é ser um dos habitantes da caverna, mas acho que não imaginou que as pessoas que estavam dentro da caverna usariam essa história para se julgarem estar do lado de fora. De fato, cada um passou a ver o mito como melhor lhe convém. Como um exemplo simples, temos algo que ultrapassa a esfera do observável: a existência ou não de uma alma etérea e imortal. Quem acha que ela existe vai ter seus argumentos para afirmar que ela existe, que é a essência da personalidade humana e é o que lhe dá uma razão para viver, em última análise. Por fim, passam a achar que passaram para o lado de fora da caverna, pois conseguiram alcançar um conhecimento novo e real. Em contrapartida, as pessoas que negam a existência de uma alma vão usar seus argumentos, dizendo que ela não pode ser percebida senão por um equívoco da mente humana, que ela não está onde se pensa estar e que a simples ideia de uma alma não faz sentido, de um ponto de vista cético. E vão julgar que aqueles que creem na existência da alma estão presos dentro da caverna e não sairão dela a menos que "vejam a luz". Mas eles não a verão porque não querem vê-la. 



É um argumento que funciona para os dois lados. E justamente por isso acaba se tornando uma falácia, um argumento inválido usado por pessoas que querem trazer os outros para dentro da própria caverna. Perde-se o foco totalmente.


A resposta para essa questão está em Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo" e "Só sei que nada sei, mas desconfio de muita coisa". O ser humano tende a pensar em si mesmo como o sujeito essencial, aquele que exerce influência sem sofrê-la, não importa sua origem. Encaremos os fatos, todo ser humano, naturalmente, habita sua própria caverna e faz sombras nas cavernas dos outros assim como os outros fazem sombras em suas cavernas. Em vez de pensar que está saindo da caverna, seria melhor pensar: "Estou saindo ou entrando na caverna?".

Não é à toa que dizem que quem mais tem certezas é quem mais costuma estar errado, ou que a dúvida é a maior certeza. Jamais teremos certeza se estamos dentro ou fora da caverna. Melhor não apostar na primeira opção e manter a mente aberta... Se pensarmos com calma, veremos que essa á única opção. 

A humanidade toda, desde seu surgimento, esteve dentro de uma caverna. Essa caverna se chama 'Realismo dependente do modelo'. O ser humano tem sua forma particular de perceber o universo, de criar sua própria concepção de mundo, e o faz baseado num modelo de realidade. Ele nunca vai poder ter certeza se seu modelo é exato e definitivo, mas é o melhor que ele vai conseguir. É como se estivéssemos presos à Matrix, essa é a nossa realidade e o que conseguimos perceber nela é o que consideramos "real". Pode ser que tudo não passe de um sonho, coletivo ou individual, que cada pessoa na verdade seja um robô, uma marionete sendo controlada sem se dar conta disso... De fato, não é impossível. Concluindo esse ponto: não se critica a dependência, mas o modelo de realidade estudado.

Mas esse é um debate que já foi superado, pois não somos capazes de trabalhar com esses dados, uma vez que eles são totalmente incertos, hipotéticos, especulativos... É algo que está além da nossa capacidade de observação, mas não de concepção. Trabalhamos com o pouco que temos: método científico e evidências observáveis... nada mais. Claro que isso não significa ignorar essas hipóteses, significa que não podemos apostar nelas.


Platão provavelmente pensou estar dentro de uma caverna, olhando a própria sombra até o fim de sua vida...

4 comentários:

  1. Muito bom o texto Tiago! É mesmo engraçado como as pessoas deturpam metáforas para enquadrá-las de acordo com seus interesses pessoais. Por outro lado, é interessante notar essas várias interpretações sob um mesmo ponto de partida. Para mim, sair da caverna é buscar o conhecimento, sem preconceitos e livre das "amarras" sociais (nossa, essa expressão virou um vício haha), mas vai saber se essa era a intenção de Platão, talvez ele tenha tido a intenção de que as pessoas interpretassem livremente...ou não hehe. Beijoss ;*

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  2. Nickole muito bom seu comentário.
    A mente humana tem muito o que aprender, temos que deixar sim a mente aberta, evitar os preconceitos, e analisar os fatos, se desprender das amarras [dogmas e etc] ...
    Fatos são fatos a serem estudados livremente.
    Mas as pessoas, em sua maioria, tem suas ideias pré-concebidas, e tentam construir um mundo em cima da base do que entendem [e atiram preconceitos em cima dos fatos]. Há pouquíssimas que observam os fatos pelos fatos (sem julgar de onde eles vêm: se da ciência ou de outro ponto qualquer) e constroem deste modo seu mundo de conhecimento, livres de confundir a luz com sobra clara.
    Que a verdade existe ela existe, mas só a alcança [só saem da caverna] aqueles que não negam os fatos só por não saber como funcionam.

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  3. Anonim@, a "verdade" existe, mas o que conseguimos perceber é apenas uma fração dela, a qual nem sabemos se é correta ou absoluta. No final, pode ser que tudo seja fruto de um engano, ou pior, de uma doutrinação. Enfim, cada um concebe o universo da forma que lhe é mais conveniente, o que não tem nada a ver com estar certo ou errado.

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  4. Como vc disse T, a verdade existe. Só através dos fatos a alcançamos. Bom, sobre estar certo ou errado... tem a ver sim, pois: se a verdade existe o que não é verdade é ilusão [ou mentira como preferir] daí é uma questão de lógica: quem alcança a verdade está certo, quem vivena ilusão está mentindo pra si mesmo ou ignorando os fatos: está errado.
    A forma que é conveniente não exclui que exista uma verdade.
    O homem ainda verá com clareza, a vida é feita de fatos.

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