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13 de abr. de 2012

A ficha que não cai e o orgulho de ser idiota

No domingo mais recente chegou a data em que se comemora a páscoa, quando acredita-se que os judeus teriam deixado o Egito de modo um tanto obscuro e coincide com a data em que o corpo de um judeu chamado Jesus teria voltado à vida três dias após sua morte. Por trás disso existe a simbólica comparação com o surgimento de uma nova esperança após uma tragédia insuperável.

Aparentemente, isso se resumiria a uma comemoração por parte daqueles que partilham dessa crença... mas só aparentemente...
Por razões comerciais, o coelho perdeu sua importância e o ovo passou a ser de chocolate


Tanto o coelho quanto o ovo são considerados, mesmo pela cristandade, elementos da páscoa por simbolizarem "vida nova", seja lá o que isso signifique na prática. O ovo é um animal que vai nascer (talvez um ornitorrinco) e o coelho é um mamífero que se reproduz rapidamente (o Rato-do-Pacífico seria mais adequado, mas enfim...). O ovo virou o astro da vez, aparecendo nos supermercados antes até do início da quaresma. Durante os 40 dias entre a quarta-feira de cinzas e a páscoa recomenda-se aos cristãos que jejuem, evitando fazer alguma coisa que gostam de fazer, mas que não "devem". Muitos param com a bebida alcoólica, param de frequentar lugares determinados, etc. Uma das práticas mais comuns é a de não comer carne, que também tem razões simbólicas, mas estas não vem ao caso.

O animal incompreendido, nesta ocasião, é o peixe.
Oi, eu sou a Dory... e eu acho que nunca comi um peixe


Se existe alguma restrição ao consumo de carne peixe nessa época eu nunca ouvi falar, mas o costume é comer. Ainda assim, o alvo do texto também não é dizer se isso é coerente ou não com a tradição religiosa.

O problema é responder à pergunta: Que diabos o resto do mundo tem a ver com isso?

Peixes são amigos, não comida
Antes de ser ateu, sou cético, o que significa que não me deixo convencer por argumentos embasados em tradições, dogmas, autoridades ou apelos à emoção. Ser ateu é só uma fração disso tudo.

Muitos ateus têm orgulho de dizer que nunca tiveram relação com nenhuma religião, outros que sua saída da religião que seguiam foi uma verdadeira vitória. Eu discordo de ambos, não acho que foi uma vitória e nem tenho orgulho ou vergonha de ter sido religioso. Isso é algo que não faz tanta diferença para mim e não vejo razão para que faça com qualquer outra pessoa. Mas como esse é um rio que para mim já correu em dois lados diferentes, me sinto confortável ao dizer que o religioso em geral acha que o ateu é um imoral, capaz de cometer atos de extrema atrocidade contra outros seres e não sentir o menor peso na consciência. Esse entendimento é bastante explícito na expressão citada no livro Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, quando a personagem Ivan Karamazov deduz que "se Deus está morto, tudo é permitido". Assim sendo, a morte (ausência) de uma inteligência sobre-humana capaz de emitir juízo de valor sobre o certo e o errado levaria ao caos sociocultural que levaria a humanidade ao declínio e, em algum momento, à extinção. No curso inverso deste rio, os ateus possuem uma tendência a ignorar ou humilhar o argumento religioso justamente por ele depender de uma inteligência sobre-humana que contesta o conhecimento científico e se restringe à tradição, ao dogma, à autoridade e ao apelo à emoção, o que o torna algo deturpado.


Sou ateu e portanto devo agir assim, certo? Mais ou menos...

Se você acessa a internet, já deve ter visto o meme com o personagem Willy Wonka, interpretado genialmente por Gene Wilder. O nome original do meme é "You must be new here". Ele começou como uma forma de ironizar usuários de fóruns como o 4chan (berço do Anonymous) que comentavam nos tópicos com informações óbvias ou estúpidas. O meme mudou ao começar a receber outras frases, mantendo o fim irônico, passando a ser chamado de "Creepy Wonka". As frases sempre evidenciam alguma  contradição óbvia entre o pensamento de uma pessoa e o que ela diz e/ou faz. Exemplo:




O que me motivou a escrever esse post foi a enxurrada de imagens como essa que invadiu minha tela inicial do Facebook e todas elas com frases muito parecidas: "VOCÊ FAZ JEJUM NA QUARESMA/PÁSCOA E NÃO COME CARNE? ME CONTE MAIS SOBRE COMO BACALHAU NÃO TEM CARNE...". Chegou um momento em que eu não aguentei mais e desliguei o computador mais cedo para não acabar respondendo alguém com falta de educação. 

Queria ter escrito esse post no domingo, mas eu já havia decidido previamente que não me manifestaria sobre a data enquanto ela não passasse.

Muitas das pessoas que tenho no Facebook são ateus e frequentadores de blogs, fóruns e grupos virtuais que reúnem ateus. Vários deles me adicionaram como conhecido no Facebook, alguns eu mesmo adicionei. Em virtude da quantidade de pessoas se comunicando, quando surge uma informação de interesse comum entre eles ela se espalha muito rápido. Foi aí que eu percebi duas coisas:

1 - Eu tenho muitos ateus adicionados no Facebook
2 - Eles não percebem o quanto são chatos


Volta e meia alguns desses ateus militantes escrevem frases como:

"Facebook não é Igreja, pare de postar coisas religiosas aqui" e logo em seguida cospem várias outras frases e imagens com críticas, algumas até bastante ofensivas, contra as pessoas que foram alvos da primeira frase... Parece até que a religião é a fonte suprema de maldade no mundo.

Isso é ruim? Não é ruim o bastante, pois se alguém reclama disso (independente da crença ou não crença) começa a ser rechaçado, pois o outro estava apenas exercendo sua "liberdade de expressão do pensamento". Meus caros, liberdade de expressão é diferente de liberdade de falar besteira e ainda se achar superior.


É o mesmo tipo de ateu que vive falando mal do cristianismo pelo fato de Hitler ter sido um cristão e acha um absurdo quando lembram que Stalin era ateu.

O que pretendem ao divulgar esse tipo de imagem não é mostrar a contradição, é apenas inferiorizar quem segue essa tradição. Qual é o problema de comer bacalhau? Nenhum, ninguém ganha nem perde nada com isso. É um costume cujo impacto nem se aproxima de modificações efetivas na sociedade. E compartilhar imagens/textos/sons que têm como único propósito o cinismo é um costume mais estúpido ainda.

Como proceder?


Possuo um álbum na internet com várias imagens que fazem críticas à sociedade de um modo geral e muitas delas são direcionadas ao pensamento religioso e à cultura de massa que muitas vezes usam do elemento irônico, não por acaso eu o nomeei de Gaia Scientiæ ("Ciência da Terra"). Tive em algum momento a intenção de caçoar da fé alheia? JAMAIS.

Eis a verdade: uma pessoa ateia não acredita em deus(es) e só... Ser ateu não é indício de bondade, moralidade, empatia... O mesmo vale para pessoas de qualquer religião, sexo, orientação sexual, idade, etnia, posição social, vertente política, etc.

Quer comer bacalhau? Não deixe um ateu babaca te impedir disso...

5 comentários:

  1. Viix... curti!!

    Até que enfim alguém sensato em suas opiniões.

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  2. Opa, não estou sozinho como ateu crítico dos ateus!
    Lembro de como odiava os vegans, inclusive me tornei um "alfacista" e trollei bastante esse pessoal. Depois de um tempo reparei como estava sendo igualmente idiota com religião.

    O grande mistério é: o que esses ateus querem ganhar com esse tipo de militância? Mais ódio? Ou querem só tirar uma da cara dos religiosos e continuarem jurando de pé junto que ninguém mais vai sair prejudicado com isso? (Porque é virtualmente impossível convencê-los de que mais ateus vão sair queimados com a atitude de uns, eles falam que isso é "transformar ateísmo em religião", fazer "patrulhamento ideológico", mimimimimi)
    Enfim, bom post!

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  3. Adorei seu texto.
    Sou cristã, sempre fui...Mas sempre soube respeitar desejos, crenças e vontades de cada um.
    Infelizmente muitos 'amigos' ateus do meu Facebook não seguem essa mesma linha de pensamento. Já tive que excluir, no mínimo umas 15 pessoas por postagens ofensivas á cristãos ou flood da ATEA.
    Não tenho nada contra, mas se eu não fico o dia todo postando coisas sobre Jesus, não quero ler o tempo todo coisas sobre como eles se sentem uma raça superior por não acreditar em Deus.
    É claro, existem as exceções, como você e meu amigo Tomás aí de cima, que respeitam. Isso é inspirador.
    Que essa moda de flood de posts ateus ofensivos vá embora...Para que o Facebook não seja um campo de guerra ideológico.

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  4. A única imagem dessa "irônica, cínica" que eu gostei e compartilhei foi: "Você era bom no colégio? / diga-me como se sente por ser um fracassado na universidade?" ahaha sublinearmente criticando o ensino público que é fraco e demonstrando que no ensino, tbm tecnicista, do direito, somos a massa falida rsrs

    porém eu concordo com o que você disse sobre essas mensagens!!

    Eu respeito as pessoas. Se a pessoa nao tá rubando nem matando deixa ela fazer o jejum dela neh? ou nao fazer neh? tanto faz.
    pra que ficar humilhando ela? vamos focar no que realmente importa: respeitar para ser respeitado, fazer a nossa parte, correr atrás do que faz a humanidade crescer, melhorar.

    Religiosos e ateus são seres humanos vivendo e convivendo em sociedade. Enquanto discutem entre si no campo da crenças estão apenas perdendo tempo, gastando energias.

    mas temos que nos unir como seres humanos em sociedade [tirando o foco de quem fez ou nao o mundo, ou se existe ou nao Deus] e fazer valer a pena estar aqui: como seres humanos, conviventes, relacionados, dentro de uma corrente, cooperando, pq no final das contas, somos todos iguais: respiramos, pensamos, nos alimentamos, trabalhamos, e dependemos uns dos outros pq nao estamos numa ilha deserta. Nosso foco tem que ser esse para nos unirmos! E nao discutir ou humilhar por causa de crenças, para nos separarmos.

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  5. Excelente texto, ressaltando a linha de pensamento mais lógica e sensata possivel. Como esperado do melhor ateu de meu facebook :)

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